1. A porta de saída deve estar sempre aberta.

Quando uma sociedade é formada, todos desejam sucesso absoluto e união infinita. Mas não é bem assim que as coisas costumam ocorrer.

Crises, de mercado e de relacionamento, podem acontecer. Aliás, provavelmente vão acontecer. E, às vezes, levam um dos sócios a se desgastar ou a se desiludir a ponto de desistir do sonho comum.

Nesta situação, muitas soluções são possíveis. A menos inteligente é manter o sócio na sociedade contra a sua vontade. Para que a empresa seja preservada, a porta de saída deve estar aberta.

Ainda que de forma desorganizada e incompleta, a lei brasileira respeita este princípio ao permitir que os sócios possam se retirar de sociedades empresárias. Mas uma redação inteligente de cláusulas do contrato social (ou, de preferência, do acordo de sócios) é necessária para superar as muitas lacunas da lei.

  1. O direito de saída em sociedades limitadas – art. 1.029 do Código Civil

O art. 1.029 do Código Civil dispõe que os sócios podem se retirar de sociedades limitadas com prazo indeterminado de duração. Basta o envio de notificação aos demais sócios, com 60 dias de antecedência. Já nas sociedades com prazo determinado de duração, há necessidade de o sócio propor ação judicial provando judicialmente justa causa.

A lei poderia ser bem melhor. Não no conteúdo, mas na localização da norma. Ela está em um capítulo que trata das sociedades simples (sociedades não empresariais), e não no capítulo das sociedades limitadas. Ainda assim, o entendimento corrente, nos livros e nos tribunais, vem no sentido de o art. 1.029 se aplicar de forma direta às sociedades limitadas, seja porque as normas das sociedades simples podem ser aplicadas subsidiariamente às sociedades limitadas (assim prevê o parágrafo único do ar. 1.053 do Código Civil) seja porque o direito de saída voluntária em sociedades por prazo indeterminado tem fundamento constitucional (o princípio da liberdade de associação, presente no art. 5°, XX, da Constituição Federal).

De qualquer forma, para evitar a insegurança jurídica e discussões desnecessárias, o melhor é dispor a respeito do direito de saída voluntária no contrato social (ou, o que seria bem mais adequado, no acordo de sócios).

  1. Como registrar a alteração de contrato social decorrente da saída de sócio?

Uma aparente dificuldade para a efetivação do direito de saída voluntária é o registro, na Junta Comercial, da alteração de contrato social decorrente do exercício do direito de saída voluntária.

A alteração contratual é necessária para que a alteração no quadro de sócio se torne uma realidade oponível a terceiros.

Alterações de contrato social não precisam ser assinadas por todos os sócios. Basta a assinatura de sócios que demonstrem ter sido atingido o quórum deliberativo na deliberação social refletida na alteração. De acordo com o art. 1.076, I, do Código Civil, alterações de contrato social devem ser deliberadas por sócios que representem pelo menos 75% do capital social.

Desta norma surgiu uma conclusão inválida, mas infelizmente corrente: a de que as alterações de contrato social devem contar com a assinatura de sócios que representem pelo menos 75% do capital social (podendo o contrato social exigir quórum superior).

Esta quantidade de assinaturas deve ser exigida quando a alteração de contrato social decorrer de uma deliberação social, tomada pelo voto dos sócios em assembleia ou reunião. No caso de exercício de um direito individual (que não precisa ser convalidado em assembleia social), basta a assinatura do sócio detentor de tal direito. Exigir a participação dos demais sócios é ignorar dois fatos conexos: os sócios não têm o direito de impedir a saída, embora possam ter interesse de dificultá-la.

Mas, neste ponto, o Código de Processo Civil propõe outra solução. E uma solução bem pior. De acordo com o seu art. 600, IV, a ação de dissolução parcial de sociedade pode ser proposta pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito”. Provavelmente este texto foi inspirado no art. 1.003 do Código Civil, segundo o qual “a cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade”.

Esta não é, nem de longe, uma fonte adequada. O art. 1.003 está no capítulo das sociedades simples. E, nestas (mas não nas limitadas), as alterações de contrato a respeito de cláusulas obrigatórias depende sempre da assinatura de todos os sócios (assim prevê o art. 997).

Ou seja: a judicialização prevista no CPC provavelmente vem para resolver um problema que seria específico das sociedades simples. Nas limitadas, é desnecessária, e não inviabiliza uma utilização mais inteligente do direito material, por meio do registro da alteração contratual sem a assinatura dos demais sócios.

  1. Pode haver arrependimento, após o envio da notificação?

O envio da notificação de exercício do direito de retirada não é irreversível. Durante o prazo de 60 dias, pode o sócio enviar nova notificação aos demais sócios, tornando sem efeito a anterior.

As dúvidas que existiam a respeito desta possibilidade foram eliminadas com a edição do novo Código de Processo Civil, que, em seu art. 605, dispõe que “a data da resolução da sociedade será: II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante.”

A saída da sociedade efetivamente ocorre após o transcurso do prazo de 60 dias. Prazo que é concedido à sociedade para que sejam tomadas as providências para a saída do sócio; em especial, para que seja providenciada a apuração de seus haveres.

Para evitar discussões, o melhor é tratar desta possibilidade de arrependimento no contrato social (ou, de preferência, no acordo de sócios). E, como a principal das medidas a serem tomadas pela sociedade após o recebimento da primeira notificação é a avaliação da sociedade para fins de apuração de haveres (o que envolve gastos significativos), convém dispor que o sócio, após o arrependimento, deve arcar com as despesas decorrentes do envio da notificação.

  1. O direito de retirada por ser exercido parcialmente, para reduzir a participação do sócio no capital da sociedade?

A resposta a esta pergunta depende da definição de uma premissa lógica: o direito de saída voluntária se limita ao direito de se retirar da sociedade, ou é uma decorrência do direito de disposição patrimonial (que inclui o direito liquidação das quotas ou ações). A primeira interpretação é mais fácil de compreender, pela literalidade. Mas a segunda é mais lógica sob o ponto de vista econômico.

A saída ou permanência de um sócio é o objeto central de análise quando se trata da possibilidade de exclusão de sócio. Na exclusão, protege-se a empresa, e a saída do sócio é a solução mais eficiente. Já na saída voluntária de sócio não se está a proteger a sociedade, mas sim a liberdade de disposição patrimonial dos sócios (ou melhor: a liberdade de retirar, enquanto é tempo, o capital investido em uma empresa que não se mostrou tão promissora quanto se imaginava).

Neste caso, não é absurdo admitir o direito de liquidação parcial de quotas, com procedimento de apuração do valor econômico destas quotas semelhante ao da apuração de haveres. Mas, para evitar insegurança jurídica, é conveniente que os sócios tratem desta possibilidade (vedando ou autorizando) no acordo de sócios.

  1. Gera efeitos a notificação enviada somente aos administradores, ou que não tenha sido recebida por todos os sócios?

O art. 1.029 prevê que a notificação de exercício de direito de retirada deve ser enviada a todos os demais sócios. Mais coerente seria que a notificação fosse entregue aos administradores, por duas razões: primeiro, porque a parte obrigada ao pagamento dos haveres ao ex-sócio é a sociedade, e não seus sócios. Segundo, porque o exercício do direito de saída voluntária não depende de aprovação pelos demais sócios.

A confusão aumenta quando se lê o art. 601 do Código de Processo Civil, segundo o qual a sociedade e os sócios formam litisconsórcio em ações de dissolução parcial, para, no parágrafo único, dispensar a citação da sociedade (sem afastá-la dos efeitos da coisa julgada) quando todos os sócios tiverem sido citados.

Para evitar dúvidas (e as longas e normalmente insanas discussões sobre procedimentos), é conveniente inserir disposição no contrato social (ou no acordo de sócios) no sentido de bastar a comunicação aos administradores (que teriam a obrigação de comunica aos demais sócios). Mas, enquanto não houver disposição contratual neste sentido, a notificação deve ser enviada a todos os sócios para ter efeitos jurídicos plenos.

  1. Nas sociedades com prazo indeterminado de duração, o que é justa causa?

Nas sociedades por prazo determinado, parte-se do princípio de que os sócios se comprometeram a manter sua participação (e seus investimentos) até a data previamente estabelecida. A preservação da estrutura social e econômica da empresa é uma condição de elevação da segurança dos sócios (o que facilita a decisão de investimento).

A saída de um dos sócios antes do prazo ajustado não deve ser apenas justificada. Deve ser decorrente de uma situação severa, que altere as condições pessoais de participação do sócio, de forma que a permanência na sociedade lhe imponha severos prejuízos.

Desta forma, o arrependimento ou desentendimentos entre os sócios não são suficientes para a configuração de justa causa.

  1. SPEs são sociedades com prazo determinado?

As Sociedades de Propósito Específico diferem das demais em um ponto apenas: seu objeto social não descreve uma atividade, mas um projeto. Ao invés, por exemplo, de se fazer constar do objeto a atividade de “incorporação imobiliária”, faz-se referência a um determinado projeto, com local e conceito definidos. Finalizado este projeto, exaure-se o objeto da sociedade, o que conduz à sua dissolução, na forma do art. 1.034, II, do Código Civil.

Uma confusão comum quanto às SPEs é classificá-las como sociedades de prazo determinado. Não são. Trata-se de sociedades contratadas com condição resolutiva. E, por esta razão, devem ser tratadas como sociedades por prazo indeterminado (que, como todas, não são eternas; simplesmente não se sabe previamente em que data irão se dissolver).

  1. O lock-up pode abranger a dissolução parcial

Cláusulas de lock-up às vezes constam de acordos de sócios. Elas proíbem os sócios de venderem suas quotas ou ações durante um determinado período.

Não há impedimento para que o lock-up inclua o exercício do direito de saída voluntária. Durante o tempo estipulado, os sócios somente poderiam se retirar da sociedade provando judicialmente justa causa (seria uma situação análoga à das sociedades por prazo determinado).

  1. Saída voluntária em sociedades anônimas: o art. 599 do CPC

A Lei das Sociedades Anônimas foi construída com foco em sociedade anônimas de grande porte (e com grande número de acionistas). E, neste cenário, não previu o direito de retirada para os acionistas, exceto na hipótese de recesso (voto divergente, e vencido, em matérias relevantes). O acionista que desejasse sair da companhia deveria buscar um comprador para suas ações.

O sistema se justifica. Mas só para companhias cujas ações tenham liquidez no mercado.

Na realidade brasileira, a grande maioria das sociedades anônimas têm poucos acionistas, e pouca ou nenhuma liquidez. Diante desta realidade, a jurisprudência passou a admitir o direito de retirada em companhias fechadas, especialmente as familiares. E fez bem ao conceder este direito.

O passo natural seria uma reforma da Lei de Sociedades Anônimas, para permitir o direito de retirada em companhias fechadas. E, de fato, houve uma alteração normativa. Mas no local errado, e do jeito errado.

No novo Código de Processo Civil, o §2° do art. 599 prevê que “a ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim”.

Na realidade, se for mesmo demonstrado que a sociedade não pode preencher o seu fim, a consequência seria a dissolução total; não a parcial. Este é o texto do art. 206, II, b, da Lei das Sociedades Anônimas.

Assim, provavelmente, o texto da lei processual vem no sentido de autorizar a dissolução parcial quando o acionista entrar com ação alegando que a companhia não pode preencher o seu fim social, mas ficar evidenciado que a empresa pode e deve seguir adiante. Aliás, esse é um entendimento jurisprudencial já antigo (e correto), no sentido de converter em dissolução parcial as ações de dissolução total quando houvesse intenção dos demais sócios em seguir com a empresa.

O resultado é meio bizarro: o acionista que quisesse se retirar da companhia, recebendo seus haveres, deveria entrar com uma ação alegando a impossibilidade de preenchimento do fim social (ou seja, propor uma ação de dissolução parcial), mas torcer para o juiz considerar improcedente este pedido, para então obter a conversão da ação em dissolução parcial.

Claro que precisamos ser mais inteligentes que isso, e ver no texto do CPC a possibilidade de acionistas que detenham ao menos 5% das ações de companhia fechada dela se retirarem, por meio de ação de dissolução parcial (quando não houver solução amigável), sem necessidade de alegar a impossibilidade de preenchimento do fim social por parte da companhia.

  1. Renúncia de propriedade sobre quotas ou ações

O exercício do direito de retirada não é a única forma de um sócio se afastar da sociedade. Se o sócio não tiver a pretensão de receber haveres, poderá simplesmente renunciar à propriedade de suas quotas ou ações, na forma do art. 1.275, II, do Código Civil.

  1. Responsabilidade residual dos ex-sócios: o mito dos dois anos

O parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil prevê que o sócio que se retirar da sociedade mantém suas obrigações pelo prazo de dois anos após o registro da alteração. Em função desta norma desenvolveu-se o mito de que o sócio é responsável pelas dívidas da sociedade pelo prazo de dois anos após sua saída.

É evidente que esta tese não se sustenta. O art. 1.003 está no capítulo das sociedades simples. Nas sociedades simples, os sócios são pessoalmente responsáveis pelas dívidas da sociedade, o que não ocorre nas sociedades limitadas.

Nas limitadas, os sócios só respondem pessoalmente se houver decisão judicial de desconsideração da personalidade jurídica. E esta decisão não está limitada ao prazo de dois anos.

  1. Como apurar os haveres?

Quando o sócio se retira da sociedade tem direito de receber o valor econômico de suas quotas ou ações. Este valor econômico não se confunde com o valor contábil (decorrente do patrimônio líquido contábil da sociedade), nem do valor nominal (que representa o investimento feito pelo sócio, que não tem garantia de restituição). O valor econômico representa o valor que provavelmente seria pago por alguém interessado em adquirir a sociedade.

O cálculo deste valor é uma das questões mais complexas do direito societário. Por isso mesmo, merece um texto próprio, que será apresentado na sequência.