Do registro na Junta Comercial surge o direito de utilização exclusiva do nome empresarial. Em princípio, esta exclusividade está limitada ao Estado em que se fez o registro. Mas, se houver requerimento específico (e o pagamento de taxas adicionais), a proteção será estendida a outros Estados (desde que o nome esteja liberado no cadastro de cada uma das Juntas Comerciais em que se pretende proteger o nome). Estas normas estão no art. 61 do Decreto 1.800/96.

Como consequência destas regras, não há ilicitude no fato de se adotar um nome empresarial igual ao utilizado por outro empresário (ou sociedade empresária) em outro Estado. Não importa quem registrou o nome antes. Ambos estão protegidos pela lei, no âmbito territorial das juntas comerciais em que os empresários se registraram.

Mas, mesmo diante da clareza e da consistência lógica da lei, não são incomuns decisões judiciais reconhecendo a extensão da proteção no nome empresarial para além do Estado de registro. Vale citar o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

 

“ABSTENÇÃO DO USO DO NOME EMPRESARIAL: O artigo 8º da Convenção de Paris, devidamente ratificada pelo Brasil, através do Decreto 75.572/75, estabelece proteção ao nome comercial, em todo o território brasileiro, ultrapassando os limites do Estado-membro, no qual está localizada a Junta Comercial responsável pelo registro.”

(TJRS, ac 70039208988, j. 02/03/2016)

 

Neste e em outros casos, o Julgador deixa de aplicar o Decreto 1.800 por entender que deve prevalecer o texto da Convenção da Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (internalizada no Brasil pelo Decreto 75.572/75).

O respeito à convenção parece razoável. Mas, na realidade, decorre de um erro de tradução. Um erro de tradução que incrivelmente tem passado despercebido ao longo de décadas.

O art. 8° da Convenção de Paris, em sua redação original, prevê o seguinte:

 

Art. 8°.Le nom commercial sera protégé dans tous les pays de l’Union sans obligation de dépôt ou d’enregistrement, qu’il fasse ou non partie d’une marque de fabrique ou de commerce.

 

No Decreto 75.572/75, que transformou o texto da Convenção em lei brasileira, a norma foi assim traduzida:

 

“O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de depósito ou registro, quer faça parte ou não de uma marca de fábrica ou de comércio”.

 

Parece certo, mas tem um problema: em francês jurídico, nom commercial não significa nome comercial, mas sim título de estabelecimento.

Vale recordar: nome empresarial (que se chamava nome comercial até a edição do Código Civil de 2002) é a designação do empresário perante a Junta Comercial. Esta designação formal nem sempre é utilizada no dia a dia. O nome com que o empresário se apresenta à sua clientela é conhecido como “nome de fantasia”; em linguagem jurídica, este é o título de estabelecimento. E o uso desta designação não depende de registro, seja na Junta Comercial, seja no INPI. O abuso na sua utilização é objeto das normas sobre a concorrência desleal.

No Código de Comércio francês, o nome comercial é chamado de dénomination sociale (arts. L223-1 e L224-1). E o que eles chamam de nom commercial é o nosso título de estabelecimento.

Apenas para ilustrar, podemos citar a definição de nom commercial utilizada pelo site droit-finances (http://droit-finances.commentcamarche.com/faq/23876-nom-commercial-definition):

 

“Le nom commercial est une expression désignant le nom sous lequel l’activité d’une entreprise est connue du public. Le nom commercial constitue l’un des éléments composant le fonds de commerce”.

La loi ne définit pas la notion de nom commercial.”

 

Em tradução livre: O nome comercial é uma expressão relativa ao nome sob o qual uma empresa é conhecida pelo público. O nome comercial é um dos elementos que compõem o fundo de comércio. A lei não define o nome comercial.

A conclusão é simples e direta:  ao confundirmos nom commercial (nosso título de estabecimento) com nome comercial, temos invocado a Convenção de Paris de forma equivocada.

Além disso, não se poderia deixar de aprontar outro problema lógico na linha de interpretação que pretendemos afastar: a Convenção serve para a proteção internacional, de um país signatário para outro; não, portanto, para sanar questões internas. Principalmente quando a lei interna é clara e completa.

No Brasil, com ou sem Convenção de Paris, a proteção do nome empresarial depende de registro.