Está cravado nos livros: empresa é “atividade econômica organizada”, ou, por outra, “organização dos meios de produção”.

Mas é necessário rever este conceito. A própria lei deixa isso claro. Profissionais liberais desenvolvem atividade econômica organizada. Mas, de acordo com a lei, não empresários. E o mesmo acontece com as cooperativas e os produtores rurais não registrados na Junta Comercial.

A lei está correta. Sob o prisma econômico, mesmo que um profissional liberal desenvolva sua atividade com máxima eficiência, não criará uma empresa. Ele pode gerar lucros substanciais, mas não criará uma empresa.

Para compreender esta afirmação, vale a pena comparar um escritório de advocacia (que, de acordo com a lei, não é uma empresa) com uma empresa de desenvolvimento de softwares.

  • Nos dois casos, desenvolve-se atividade econômica organizada.
  • Nos dois casos, há investimentos.
  • Nos dois casos, há riscos.
  • Nos dois casos, há geração de lucros.
  • Mas só no segundo caso a empresa pode ser vendida. Essa é a diferença.

Só em uma empresa pode surgir um valor intrínseco, intangível, e, principalmente, transferível, que é tecnicamente chamado de goodwill.

Empresa e goodwill são conceitos interpendentes. Não há como entender a estrutura econômica de uma empresa sem entender bem como se forma e como se mensura o goodwill.

Ele surge de uma premissa de fácil compreensão: uma empresa bem estruturada vale mais do que os seus elementos tangíveis (caixa, móveis, equipamentos, estoques). Ao valor destes bens soma-se o relativo à sua capacidade de geração de negócios no futuro. Este é o goodwill.

Não há goodwill em um escritório de advocacia. Isso porque este valor intrínseco só existirá de fato se alguém pagar por ele. Uma empresa pode ser vendida, sem solução de continuidade nem perda de valor; um escritório de advocacia não.

Um escritório de advocacia pode ter um valor intrínseco. Mas este valor está vinculado ao sócio, ao advogado; não a uma estrutura que, por ser impessoal, possa ser transferida a alguém que se disponha a pagar por isso. Cada escritório de advocacia é diferente dos demais. Cada escritório tem uma essência diferente. Uma essência que é reconhecida pelos clientes. Mas, como essa essência é personalíssima, não pode ser precificada, ou vendida a quem se interesse. Por isso, não é um goodwill. E, também por isso, escritórios de advocacia não são estruturas empresariais.

Voltando à realidade das empresas, já sabemos que elas se distinguem de estruturas não empresariais pela capacidade de geração de goodwill. Também sabemos, na essência, o que é o goodwill. Mas ainda falta o mais difícil: entender como ele é calculado.

Empresas que receberam os mesmos investimentos, produzem igual faturamento e geram lucros idênticos podem ter valores diferentes. Esta diferença está na estrutura de riscos existente em cada empresa. Empresas com riscos menores valem mais. Simples assim.

Para entender este fato, vale passar por alguns exemplos:

  • uma empresa com contabilidade frágil tem mais risco de erro na forma de recolhimento de seus tributos. Por isso, tem mais risco de sofrer autuações (ainda que não tenha efetivamente sofrido alguma). Por isso, vale menos do que outras que apliquem bons processos de controle sobre o recolhimento de tributos.
  • uma empresa que detenha tecnologia exclusiva tende a valer mais do que uma empresa que explore uma tecnologia de uso comum. Há menos barreiras de entrada, o que facilita o surgimento de novos concorrentes; e
  • uma empresa que tenha capacidade de atração, retenção e motivação de talentos tende a valer mais do que uma empresa dependente de seus fundadores, principalmente por reduzir o risco de perda de pessoal estratégico.

No fundo, o que diferencia uma empresa de seus concorrentes não é a qualidade de seus produtos, ou a coerência de seus preços de mercado. É uma boa gestão de riscos. Gerir riscos eleva o valor de uma empresa de forma direta.

A matemática é simples. O método mais utilizado para avaliar o goodwill de uma empresa é o fluxo de caixa descontado. O fluxo de caixa é a diferença entre as entradas e saídas de caixa de uma empresa; ou seja: é o resultado operacional. Para a avaliação do goodwill projeta-se o fluxo de caixa estimado para um determinado período no futuro (no Brasil, usualmente utilizam-se os próximos 5 anos). Mas é fundamental entender que este é um dinheiro futuro. Não é um crédito. Não há, como não poderia mesmo haver, certeza quanto ao que ocorrerá.

Daí surge a maior complicação no cálculo do valor de uma empresa: atribuir um valor presente a uma capacidade de geração de caixa que é futura e incerta.

Para pagar, hoje, pela riqueza futura e incerta, aplica-se uma taxa de desconto. Esta taxa de desconto é formada, principalmente, pelo custo do capital (afinal, o dinheiro do investidor disposto a comprar uma empresa poderia ser deixado no banco, rendendo juros certos com risco baixíssimo) e pelo risco percebido pelo investidor. Quanto maior o risco, maior a taxa de desconto. E, quanto maior a taxa de desconto, menor é o valor de uma empresa.

Vamos a um exemplo. Imagine-se que uma empresa tenha um fluxo de caixa estimado em 10 milhões de reais por ano, sem tendência de crescimento. Se aplicarmos uma taxa de desconto de 14%, o fluxo de caixa dos cinco anos terá um valor presente de 34,3 milhões de reais. Já se a taxa de desconto for reduzida para 10%, o valor final subirá para 37,9 milhões de reais. Uma diferença nada desprezível de 3,6 milhões de reais em razão do ajuste da taxa de desconto.

E não é só desta forma que os riscos interferem na formação de preço de uma empresa. Há também as contingências, que são a precificação dos riscos operacionais e estruturais. No plano tributário, trabalhista, contratual, e em diversos outros, há obrigações líquidas (certas quanto à existência e determinadas quanto ao conteúdo) e contingências. Estas são o risco de, por qualquer desconformidade presente ou passada, novas obrigações surgirem no futuro.

Vamos a um exemplo: no âmbito trabalhista, uma empresa não remunerou adequadamente as férias de seus funcionários nos últimos anos. Neste cenário, apura-se a quantidade de funcionários prejudicados, bem como a indenização devida a cada um. Por fim, estima-se a probabilidade de cada um propor efetivamente uma ação. A conta final é a contingência relativa a este descumprimento.

É por isso que no processo de aquisição de uma empresa gasta-se um bom tempo, e um bom dinheiro, na fase de due diligence. Nela, apuram-se as contingências da empresa, nas mais diversas áreas.

A conclusão é lógica: o risco do negócio afeta a avaliação do goodwill (quanto maior o risco, maior a taxa de desconto; quanto maior a taxa de desconto, menor o valor da empresa) e eleva as contingências (que se somam às dívidas líquidas, reduzindo diretamente o valor da empresa).

Como consequência desta conclusão, surge outra: gerir uma empresa é mais do que administrar pessoas, produtos e processos; é identificar e, na medida do possível, reduzir riscos.

Gerir bem os riscos não só eleva o valor da empresa, como gera liquidez (possibilidade real de receber investidores) e aumenta sua capacidade de crédito (o que é alavanca para o seu crescimento).

Por fim, entender tudo isso permite voltar ao conceito jurídico clássico de empresa, e perceber que ele está, no mínimo incompleto. Daí nossa proposta:

 

Empresa é a estrutura necessária ao desenvolvimento de atividade econômica organizada em um ambiente de riscos (mercadológicos, operacionais e estruturais), com vistas à geração de um duplo resultado econômico aos seus titulares (lucros e goodwill).