O contrato social é o primeiro passo na constituição de uma sociedade limitada. Com seu arquivamento na Junta Comercial, nasce a sociedade.

Nesta fase inicial, é natural que a atenção dos empreendedores esteja nos aspectos operacionais da nova empresa. O contrato social é normalmente visto como mais um dos muitos obstáculos burocráticos que tomam tempo e energia. Por isso mesmo, muitas vezes o documento é assinado pelos sócios sem que sê muita atenção ao que está escrito.

Mas vale a pena investir um pouco de tempo na construção deste documento. Muitos litígios societários são amplificados por contratos sociais mal estruturados. E não complicado afastar este risco. Montar um bom contrato social não cobra muito esforço ou trabalho. Basta prestar atenção em alguns pontos. Os principais estão expostos neste breve texto.

Cláusulas obrigatórias do contrato social

O Código Civil não facilitou muito a vida dos intérpretes. Ao invés de apresentar um artigo que relacionasse, de forma clara e direta, os elementos obrigatórios de um contrato social, optou por apresentar apenas um em que constam as cláusulas essenciais do contrato social de uma sociedade simples (art. 997), o qual é aplicado, no que couber, às limitadas (art. 1.054).

Do art. 997, após a devida adequação à realidade das sociedades limitadas, extraímos os seguintes elementos essenciais do contrato social:

  1. Qualificação dos sócios: além dos dados normais em uma qualificação, deve-se prestar atenção em dois aspectos: (i) quando o sócio for solteiro, deve-se indicar a data de nascimento, ou uma declaração quanto à sua capacidade[1]; e (ii) quando o sócio for casado, deve-se indicar o regime patrimonial[2].
  2. Nome social: as limitadas podem adotar tanto uma firma social (espécie de nome composta pelo nome, abreviado ou não, de todos ou de alguns dos sócios – neste caso acrescido de expressão que indique a existência de outros, como & cia ou outra equivalente) quanto denominação (forma mais livre de composição de nome, que pode ser formado por qualquer espécie de termo, exceto nomes de pessoas que não integrem o quadro de sócios). Quando se optar por denominação social, deve-se indicar a objeto da sociedade (exceto quando for criada com enquadramento à condição de microempresa ou empresa de pequeno porte). Tanto as firmas quanto as denominações devem ser originais[3] e atender ao princípio da veracidade (segundo o qual todos os elementos referidos no nome devem corresponder à realidade da empresa). Assim, quando for alterado o objeto social com supressão da atividade referida no nome, ou quando houver a saída de sócio cujo nome pessoal formava o nome social, este deve ser alterado para se adequar à nova realidade da empresa. Surge aqui uma interessante vantagem para a adoção de denominações impessoais (que não façam referência a nome de sócio) como nome social[4].
  3. Objeto: a indicação do objeto social deve incluir não só a atividade principal, como todas as demais a que a empresa venha a se dedicar. Para evitar problemas de registro junto à Receita Federal, é conveniente agregar o número do CNAE relativo a cada atividade integrante do objeto social. Evidentemente, agregar o CNAE equivalente não significa transcrever a descrição do CNAE, prática que pode levar a resultados, no mínimo, curiosos. Isto porque a Receita Federal criou categorias residuais de CNAEs para enquadrar atividades não descritas pelas previsões anteriores do mesmo grupo de atividades. Por exemplo: se uma empresa realiza comércio atacadista de produtos alimentícios, estará enquadrada no grupo 463 do CNAE. Na lista do IBGE há indicação de uma série de produtos alimentícios. Se o produto comercializado não estiver nesta lista, o CNAE será o 4637-1/99, cuja descrição é “comércio atacadista especializado em outros produtos alimentícios não especificados anteriormente”. Mas esta, por óbvio, não será a descrição do objeto social da sociedade, que deve ser específico, não comportando indicações genéricas como “não especificados anteriormente”.
  4. Sede: há um descuido costumeiro nesta cláusula: indicar um endereço como sendo a sede e foro da sociedade. O foro ou é resultado de uma cláusula de eleição específica (que só vale entre os sócios), ou, em relação a terceiros que pretendam propor medidas judiciais contra a sociedade, é determinado pelo Código de Processo Civil. Curiosamente, o DREI refere como cláusula obrigatória do contrato social “o foro ou cláusula arbitral”.
  5. Prazo: as sociedades podem ter prazo determinado ou indeterminado. Normalmente, são constituídas por prazo indeterminado. Caso sejam contratadas por prazo determinado, e este prazo seja ultrapassado, convertem-se em sociedades por prazo indeterminado (a não ser que haja oposição por algum dos sócios, ou que seja iniciada sua liquidação pelos administradores)[5]. Outro efeito relevante é que nas sociedades por prazo determinado os sócios não têm o direito de saída voluntária imotivada, somente podendo se retirar da sociedade se for judicialmente comprovada justa causa.
  6. Capital social: No Brasil não há imposição de capital social mínimo nas sociedades limitadas. O capital deve, sempre que possível, referir o total de aportes que os sócios se comprometem a fazer em benefício da sociedade. É fundamental que o contrato social seja claro quanto à forma (se em dinheiro, em bens ou por meio de cessão de crédito) e o tempo (se à vista, a prazo ou em parcelas) de integralização do capital social. Não é possível a previsão de integralização por meio de prestação de serviços (a hipótese do inciso V do art. 997 aplica-se somente às sociedades simples).
  7. Divisão das quotas entre os sócios. Usualmente monta-se uma tabela com a indicação da quantidade, percentual e valor nominal das quotas subscritas por cada sócio.
  8. Administradores: de acordo com a lei, devem ser indicados os nomes dos primeiros administradores, bem como seus “poderes e atribuições”. Em regra geral, basta referir que os administradores representarão a sociedade. A própria lei (art. 1.015) deixa claro que “no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade”. Assim o contrato deve atentar para eventuais restrições impostas aos administradores, não sendo necessário descrever a totalidade dos poderes a eles conferidos.
  9. Declaração de desimpedimento para o exercício da administração. Basta declarar que o administrador não está incurso em nenhuma das situações descritas no §1° do art. 1.011.
  10. Na hipótese (incomum) de o exercício social não coincidir com o ano civil, deve ser indicada a data de seu encerramento.
  11. No inciso VII do art. 997 indica-se como elemento obrigatório dos contratos sociais “a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas”. É evidente a desnecessidade lógica de indicação da participação dos sócios nos lucros (já que, se o contrato não autorizar a distribuição desproporcional de lucros – o que é uma cláusula facultativa – a distribuição obrigatoriamente ocorrerá de forma proporcional à participação de cada sócio no capital social), assim como é evidente a impropriedade de se fazer referência à participação nas perdas (ao contrário das sociedades simples, os sócios de uma limitada não participam diretamente das perdas sociais). Mas o DREI incluiu este inciso como cláusula obrigatória dos contratos sociais em seu Manual de Registro. Assim, não por apego à boa lógica jurídica, mas por precaução pura e simples, vale incluir esta cláusula enquanto o DREI não revisar sua equivocada orientação.

O único inciso do art. 997 a que não fizemos referência é o VIII, segundo o qual os contratos sociais das sociedades simples devem indicar “se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais”. Claro, contudo, que o contrato social de uma limitada não precisar da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios. Afinal, a subsidiariedade só é relevante quando os sócios têm responsabilidade pessoal pelas obrigações sociais. Neste caso, deve-se deixar claro se os sócios respondem de forma solidária ou subsidiária com a sociedade. Como nas sociedades limitadas, os sócios não assumem responsabilidade pessoal pelas obrigações sociais, é um erro técnico fazer referência à subsidiariedade, ou não, de sua (inexistente) responsabilidade.

Cláusulas opcionais do contrato social

Além das essenciais, há outras que não são obrigatórias por força de lei. Mas, em função do próprio Código Civil, em muitos casos é conveniente sua inclusão. Vamos a elas:

  1. Aplicação subsidiária da LSA: de acordo com o art. 1.053, as lacunas do Código Civil no capítulo das limitadas são sanadas com a aplicação de normas do capítulo das sociedades simples, a não ser que o contrato social eleja a Lei de Sociedades Anônimas como fonte normativa subsidiária. É tradicional a inclusão de cláusula neste sentido, seja porque a LSA é uma lei melhor estruturada do que o Código Civil, seja porque a estrutura econômica de uma sociedade limitada é mais parecida com a de uma companhia fechada do que com a de uma sociedade simples. Mas, no fundo, a cláusula não é tão relevante, por duas razões: primeiro, porque são poucas as lacunas que comportam a aplicação de algum artigo da LSA (sendo evidente que não há uma aplicação imediata das normas da LSA em caso de lacuna, sendo necessário um juízo prévio de adequação desta norma à estrutura jurídica e econômica da sociedade limitada para a qual se pretende a incidência da norma). Segundo, porque há regras do capítulo das simples (como os arts. 1.007, 1.011, 1.028, 1.029 e outros) que se aplicam também às limitadas que adotem a LSA como fonte normativa subsidiária. No fundo, em caso de lacuna, vai ser aplicada a norma mais adequada, esteja ela no capítulo das sociedades simples, esteja ela na LSA.
  2. Exclusão de sócios: O art. 1.085 autoriza que um sócio seja excluído por deliberação dos demais sócios quando estiver caracterizada uma hipótese de justa causa (ou seja: quando a retirada forçada deste sócio é necessária sob pena de se colocar em risco a empresa). Mas, para este caminho seja possível (a alternativa é a propositura de uma ação de exclusão, com base no art. 1.030), é necessário que o contrato social preveja expressamente a possibilidade de exclusão extrajudicial. A norma é facilmente criticável, mas, por enquanto, é norma. Esta é a razão pela qual, sempre visando à preservação da empresa, recomenda-se a inclusão de uma cláusula no contrato social autorizando a exclusão de sócio por deliberação social.
  3. Distribuição desproporcional de lucros: de acordo com o art. 1.007, o contrato social pode prever que os lucros sejam distribuídos de forma desproporcional. A simples previsão quanto à possibilidade de distribuição desproporcional, mesmo que de fato esta não venha a ser realizada, confere à sociedade e aos sócios uma flexibilidade que pode ser conveniente em diversas situações.
  4. Designação de administradores não sócios: o art. 1.060 permite a nomeação de administradores que não integrem o quadro de sócios (o que é natural, já que a profissionalização da gestão é uma importante estratégica de elevação dos padrões de governança corporativa). Mas exige que o contrato social preveja a possibilidade desta nomeação. Trata-se de um formalismo incompreensível. Mas, de novo e infelizmente, trata-se de lei.
  5. Transformação por maioria: a transformação de espécie societária é uma das poucas matérias em que a lei exige a concordância da unanimidade dos sócios. Mas ressalva a possibilidade de o contrato social autorizar a deliberação por maioria. Partindo do princípio de que a exigência de unanimidade quase nunca é uma solução eficiente (já que cada sócio terá poder de veto, rompendo com a estrutura de controle da sociedade), a previsão de possibilidade de transformação por maioria (ou por 75%, para aplicar um quórum exigido pela lei em uma série de matérias relevantes) acaba sendo conveniente.
  6. Quórum mínimo em deliberações sociais. De acordo com o art. 1.076, III, as deliberações podem ser tomadas pela maioria dos sócios presentes à assembleia ou reunião, quando maior quórum não for revisto na lei ou no contrato social. Para evitar o desconforto de deliberações tomadas por minoritários (especialmente quando os processos de convocação não são feitos da forma devida), é conveniente inserir no contrato social uma cláusula prevendo que o quórum mínimo para qualquer deliberação é o de sócios que titularizem mais de metade do capital social. Evidentemente, nas matérias em que a lei (ou eventualmente o próprio contratual social) preveja quórum superior, este prevalecerá sobre a regra residual de maioria.
  7. Direito de preferência na aquisição de quotas. Mesmo que o direito de preferência na aquisição de quotas seja quase intuitivo em sociedades limitadas, a lei não concede esta prerrogativa aos sócios. O direito de preferência só é legalmente atribuído em operações de aumento de capital social. Desta forma, é conveniente a inclusão do direito de preferência na aquisição de quotas no contrato social.
  8. Vedação à convocação por edital, salvo em caso de sócio ausente. O Código Civil admite que as convocações de sócios para assembleias sejam feitas por meio de publicação de editais em jornal de grande circulação e no Diário Oficial do Estado. É evidente que uma convocação feita desta forma dificilmente seria recebida por um sócio que não estivesse ciente do procedimento. Assim, para evitar abusos, é conveniente que o contrato social admita a convocação por meio de publicação de editais apenas na hipótese de algum sócio estar em lugar incerto, não podendo ser encontrado por qualquer outro meio.

Outras matérias podem (e, conforme o caso, devem) ser agregadas ao documento. Mas este roteiro básico elimina a maior parte dos problemas usualmente encontrados em contratos sociais.

[1] A exigência de declaração de idade ou de capacidade quando o sócio for solteiro não significa que somente pessoas plenamente capazes possam ser sócias. Qualquer pessoa, capaz ou incapaz, pode ser sócia de uma sociedade limitada. A exigência se presta apenas à verificação das condições para assinatura do contrato, já que o sócio plena ou relativamente incapaz deverá ser representado ou assistido, respectivamente.

[2]Para verificação quanto a eventual enquadramento da vedação constante do art. 977 do CC, segundo a qual não podem contratar sociedade cônjuges casados nos regimes de comunhão universal ou de separação obrigatória.

[3] O arquivamento do contrato social depende da aferição da viabilidade do nome social proposto na Junta Comercial em que se busca o registro. A viabilidade existirá se o nome proposto não for igual ou muito parecido com outro já registrado na Junta Comercial. E aqui surge uma questão relevante: a proteção obtida com o arquivamento do contrato social é, em regra, restrita à unidade da Federal em que se realizou o arquivamento. Pode-se, contudo, buscar a extensão a outras unidades da Federal, por meio de requerimento especial.

[4] Também é interessante notar que o nome social tem pouco apelo comercial. Usualmente o empresário se utiliza de um título de estabelecimento ou outra espécie de nome de fantasia para se comunicar com sua clientela. E a utilização de tais formas de identificação não depende de nenhum registro prévio. Aplica-se, para sua proteção, apenas as regras gerais do direito concorrencial.

[5] Este efeito está no art. 1.033, I, do Código Civil. É inevitável o comentário no sentido de que a intenção de preservação da empresa, neste caso, foi incluída à custa de um ataque ao bom-senso, seja porque a cláusula de prazo poderia ser alterada anteriormente (afinal, o direito não deveria socorrer aos que dormem), seja porque a liquidação não é opcional, sendo um dever legal imposto aos administradores de sociedades enquadradas em alguma das hipóteses legais de dissolução. Por fim, sempre é bom lembrar que o contrato social pode prever hipóteses especiais de dissolução da sociedade, as quais, apenas não divergirem em essência da cláusula de prazo, não geram a possibilidade de se ignorar o fato da dissolução, obrigando os administradores a tomar as medidas necessárias para a liquidação e a extinção da sociedade atingida pela cláusula de dissolução.