Quando se constitui uma empresa, é usual que se foque apenas no que a lei exige (o que não é pouco). Perde-se uma oportunidade de ouro: a construção de um bom acordo de sócios.

O acordo de sócios não é um documento obrigatório. Mas é conveniente. E muito.

Sócios podem se desentender e até entrar em litígio, pelas mais diversas razões. As principais são a falta de informação e as pressuposições sobre obrigações (de trabalho, de não concorrência e outras). No fundo, os litígios surgem mais de expectativas frustradas do que de obrigações voluntariamente descumpridas.

Os acordos de sócios servem para duas finalidades principais: quando de totalidade, para eliminar as suposições quanto ao comportamento adequado; quando de grupo, para formar blocos de controle ou de bloqueio.

Lei das Sociedades Anônimas – art. 118

O acordo de sócios é tratado por apenas um artigo na legislação empresarial brasileira, o que dá uma falsa dimensão de sua relevância (e talvez justifique a pouca atenção que é dada ao tema nos cursos de graduação).

A norma que o regula de forma específica é o art. 118 da Lei de Sociedades Anônimas, que pode ser aplicado subsidiariamente às sociedades limitadas. Ou seja: o acordo de sócios pode vincular não só acionistas, como também quotistas, sem qualquer alteração quanto à sua eficácia. Daí porque optamos por chamá-lo de acordo de sócios, e não de acordo de acionistas, como é tradicional. Mas, que fique claro: não há necessidade de mais normas legais. O art. 118 da LSA basta.

Diversamente do que ocorre um estatuto ou contrato social, o acordo de sócios não pode ser alterado por vontade da maioria. Sua construção, bem como as eventuais atualizações, são fruto de consenso, e não da imposição do controlador. Este aspecto faz com que as normas constantes do acordo ofereçam um elevado nível de segurança jurídica aos sócios (especialmente aos minoritários). Enquanto não atingido o prazo previsto, o acordo de sócios não pode ser alterado ou denunciado, senão pela vontade de todos os seus signatários.

O acordo de sócios é vinculante tanto em relação às partes (os sócios ou um grupo de sócios) quanto em relação à sociedade, desde que “arquivado em sua sede”. A lei não especifica a forma deste arquivamento. Basta a remessa aos diretores (administrador, no caso das sociedades limitadas), mediante recibo, com indicação do representante dos acionistas vinculados (§10 do art. 118). Em sociedades anônimas, as restrições à transferência de ações também devem ser averbadas no livro de Registro de Ações Nominativas para que possam ser opostas a terceiros (art. 100, I, f, da LSA).

Matérias usualmente reguladas

  • Prazo de vigência: não há exigência legal de indicação do prazo de vigência do acordo de sócios. Assim, na ausência de regra específica, ele vigerá por prazo indeterminado. Nesta situação surge um problema relevante: um acordo de sócios por prazo indeterminado pode ser denunciado, a qualquer momento, pelas partes que o assinaram (o que retiraria quase toda a força vinculante do pacto, já que a parte que se sentir restringida por alguma de suas regras poderia simplesmente manifestar seu desejo de desvinculação). Por tal razão é necessário prever um prazo certo de vigência. Usualmente, este prazo varia entre 10 e 20 anos.
  • Condições para a venda de quotas ou ações: A inclusão de regras restringindo a liberdade de venda das participações societárias é uma forma de proteção da empresa, especialmente por evitar o ingresso de pessoas que de alguma forma possam desestabilizar o convívio entre os sócios. Há cinco regras usualmente inseridas nos acordos de sócios: preferência, obrigação de primeira oferta, tag along, drag along e lock-up. Apenas em poucas situações é conveniente a inclusão de todas.
  • Obrigações de trabalho. A lei não impõe aos sócios qualquer obrigação de trabalho. A única exigência legal é a de integralização da quota parte do capital social. Nos casos (bastante comuns) de sociedades formadas em razão de uma capacidade de trabalho específica de um ou mais sócios, a efetiva prestação deste trabalho somente pode ser exigida se houver prévia estipulação deste dever pessoal. Em caso de descumprimento, é possível justificar a exclusão do sócio envolvido (sob o argumento de que a preservação de sua distribuição de lucros, somada às despesas decorrentes da contratação de alguém que o substitua no trabalho prometido, poderia inviabilizar economicamente a empresa).
  • Obrigações de voto. Esta obrigação de voto tem três dimensões: (i) matérias em que houve antecipação do voto que será proferido em eventuais assembleias sociais futuras (por exemplo, obrigação de aprovação de aumento de capital social quando os índices de liquidez da sociedade estiverem abaixo de um determinado patamar); (ii) realização de reuniões prévias. Trata-se de uma regra usual em acordos de bloco. As partes vinculadas pelo acordo obrigam-se a decidir previamente, por maioria, a respeito de qualquer matéria a respeito da qual ocorra uma convocação para deliberação por todos os sócios. A decisão tomada na reunião prévia obriga a todos os sócios quando da realização da assembleia social; e (iii) obrigação de voto aos administradores eleitos nos termos do acordo. O acordo de sócios tem natureza contratual. Logo, seria de imaginar que obrigasse apenas às partes que o assinaram. Mas a lei (§9° do art. 118) deixa claro que os conselheiros de administração eleitos nos termos do acordo deverão respeitar os termos do acordo nas reuniões de que participem. Esta norma, contudo, não significa que o administrador deverá simplesmente se tornar um porta-voz do acionista que o elegeu. Se o fizer, será plenamente responsável pelo conteúdo de seus votos, não podendo invocar como defesa o fato de atender a determinações do acionista que o indicou. O administrador deve agir com independência e autonomia, ainda que esteja limitado por normas específicas da lei, do estatuto e, no caso, por normas objetivas do acordo de sócios. Em cada uma das dimensões da regulação do direito de voto no acordo, caso a parte vinculada descumpra as obrigações assumidas, o presidente do órgão colegiado não registrará o voto, na forma do §8° do art. 118 da LSA.
  • Regras especiais de distribuição de lucros. Nas sociedades limitadas, não é obrigatório que os lucros sejam divididos na mesma proporção com que os sócios participam do capital social. É possível estipular percentuais diferentes, ou mesmo criar fórmulas dinâmicas de distribuição de resultados (o que é especialmente interessante em caso de sociedade formada por sócio investidor e sócio desenvolvedor). A Lei das Sociedades Anônimas veda a distribuição desproporcional de dividendos. Mas, no campo das sociedades anônimas fechadas, é possível inserir no acordo de sócios o compromisso de voto no sentido da retenção da totalidade dos lucros, sem distribuição de dividendos aos sócios (nem mesmo os considerados obrigatórios), na forma do §3° do art. 202 da LSA. Esta retenção pode perdurar durante determinado período a contar da assinatura do acordo, ou ser aplicada em determinadas situações (necessidade de investimentos, por exemplo). Como esta retenção pode ser de extrema relevante para a empresa, e como esta deliberação depende da concordância de todos os sócios, é conveniente inserir esta norma no acordo de sócios para que se garanta uma votação sem o veto (nem sempre justificável) de algum dos acionistas.
  • Condições para o ingresso de herdeiros na gestão da empresa. É comum a inclusão de requisitos para que um herdeiro de acionista possa postular cargo de diretor da sociedade. A inclusão destes requisitos evita os efeitos (necessariamente ruins) da pressão de algum herdeiro incompetente para assumir uma função de gestão na empresa. Se não houver no acordo de sócios o fundamento para a negativa, ou se arca com o custo familiar de se negar por decisão pessoal ou se arca com o custo empresarial decorrente da ocupação do cargo por alguém que não terá condições de bem desempenhar suas funções. Há duas espécies de requisitos usualmente aplicados nos acordos de sócios: ou há foco na capacitação técnica (o que usualmente envolve formação em universidades de ponta e experiências externas de gestão), ou há foco na legitimação do herdeiro frente aos demais colaboradores da empresa (o que normalmente envolve um longo tempo de trabalho interno antes de o herdeiro poder ser alçado a cargos diretivos). A conveniência de uma ou de outra estratégia depende da estrutura da empresa e da família envolvidas.
  • Condições para a contratação com partes relacionadas. Partes relacionadas são pessoas vinculadas, por parentesco ou afinidade, aos sócios e administradores da sociedade. É comum a inserção de cláusula prevendo que a contratação com partes relacionadas é possível, desde que em igualdade de condições com o mercado e desde que haja plena informação aos demais sócios e administradores. Contudo, a comparação com as condições de mercado é viável apenas em fornecimento de produtos ou insumos. No caso de prestação de serviços, quase sempre é inviável a comparação por preço ou qualidade, o que justifica a inclusão de uma cláusula que vede de forma plena a contratação e partes relacionadas para a prestação de serviços.
  • Condições para aumentos de capital social. É usual criar restrições ao aumento de capital social como forma de proteção a minoritários que, por terem o mesmo poder econômico que o controlador, podem ser diluídos em uma chamada de capital. Contudo, é importante construir a regra de forma a não impossibilitar aumentos de capital social em situações de estresse financeiro da sociedade.
  • Direito de indicação de conselheiros ou diretores. Diferentes grupos de sócios preservam sua posição de equilíbrio na sociedade desde que compartilhem o poder de indicação de diretores e conselheiros. É comum incluir cláusulas relativas ao direito de indicação de conselheiro de administração (que, de qualquer forma, atuará em nome da companhia, e não no do acionista que o indicou), ao direito de indicação do CEO e do CFO (normalmente não se cumulando na mesma pessoa o poder de indicação de ambos).
  • Vedação à oferta de quotas ou ações em garantia. Trata-se de uma disposição bastante comum em acordos de sócios, impedindo que sócios ofertem sua participação societária em garantia de operações financeiras pessoais. Também é comum agregar cláusula que obrigue o sócio que sofra medida judicial que possa levar à penhora das quotas ou ações a informar imediatamente a existência de tal ação aos demais sócios.
  • Regulação dos limites de concorrência entre os sócios e entre sócios e a sociedade. A declaração genérica de vedação à concorrência é uma cláusula óbvia. Mas os limites efetivos desta concorrência, em alguns casos, pode se mostrar bastante complexo. Dois exemplos são a operação no mercado imobiliário e a vinculação entre empresas que desenvolvam produtos em áreas complementares.
  • Forma de apuração de haveres. A apuração de haveres é sempre um momento crítico. Não há critério ou fórmula objetiva para a apuração de haveres, principalmente porque todos os elementos avaliados tem que ser trazidos a valor presente. De qualquer maneira, uma fórmula imperfeita sempre será melhor do que a inexistência de qualquer critério de avaliação.
  • Cláusula arbitral. Forma tradicional de solução de litígios societários, por oferecer maior especialidade, sigilo e agilidade em comparação com o Poder Judiciário. Seu limitador é financeiro. Dependendo de sua condição econômica, algum dos sócios pode se ver materialmente impedido de reclamar seus direitos.